Passado algum tempo, ouviu passos na rua, e levantou a cabeça, supondo que era Carlos Maria que regressava; era um carteiro que lhe trazia uma carta da roça. Entregou-lha em mão. Ao sair do jardim, tropeçou o carteiro no pé de um banco e caiu de bruços, espalhando as cartas no chão. Sofia não pôde conter o riso.
Perdoem-lhe esse riso. Bem sei que o desasossêgo, a noite mal passada, o terror da opinião, tudo contrasta com êsse riso inoportuno.
Mas, leitora amada, talvez a senhora nunca visse cair um carteiro.
Os deuses de Homero, - e mais eram deuses, - debatiam uma vez no Olimpo, gravemente, e até furiosamente. A orgulhosa Juno, ciosa dos colóquios de Tétis e Júpiter em favor de Aquiles, interrompe o filho de Saturno. Júpiter troveja e ameaça; a espôsa treme de cólera. Os outros gemem e suspiram. Mas quando Vulcano pega da urna de néctar, e vai coxeando servir a todos, rompe no Olimpo uma enorme gargalhada inextinguível. Por quê? Senhora minha, com certeza nunca viu cair um carteiro.
As vêzes, nem é preciso que êle caia; outras vêzes nem é sequer preciso que exista. Basta imaginá-lo. A sombra da sombra de uma lembrança grotesca projeta-se no meio da paixão mais aborrecível, e o sorriso vem às vêzes à tona da cara, leve que seja, - um nada.
Deixemo-la rir, e ler a sua carta da roça.
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